(…) –  Sabe você o que me parece? É que antes de levar o drama ao D. Maria, você devia conhecer a rapaziada.
Mas como? Ele não podia ir em romaria, pelas casas dos poetas, dos folhetinistas, apertar as mãos, travar amizades! …
– Tem-me estado a lembrar – disse Melchior, pondo o cotovelo na mesa, falando-lhe muito intimamente –, é necessário apanhá-lo juntos. Sabe como? Num jantarinho.
E muito prolixamente explicou que os literatos eram uns esquisitos. Necessitavam de considerações. Não havia como um jantar: – Você convida os principais, e antes da sopa, zás, lê-lhes as principais passagens do drama. Ao outro dia a imprensa fala, a coisa chega aos ouvidos dos empresários, já prevenidos: e como o drama é bom, trás! Logo em seguida, distribuiçãozinha dos papéis, etc., etc…
Artur, radiante, via-se no palco, cercado de actrizes lindas, distribuindo criações!
– E depois, há o prazer do jantar – acrescentava Melchior. – Veja você o que nos temos divertido hoje. E então, estando a rapaziada! São anedotas, chalaças, saúdes, uma pândega imperial. Que diabo, são oito ou dez libras!
Artur encolheu desdenhosamente os ombros.
– Pois não lhe parece Meirinho?
Meirinho, esclarecido, concordou com entusiasmo. Era como se fazia em Paris. Era chic, era de gentleman. Podia-se arranjar um jantarinho delicioso. Era deixar a coisa com ele…
Artur calava-se. Via-se á cabeceira de uma mesa resplandecente e os literatos erguendo para ele, num toast frenético, os copos esguios do champanhe!

(…) Uma coisa elegante – dizia. – Duas sopas, hors-d’ouvres, duas entradas, assado, caça, ı, um jantarinho para quinze libras…
Artur assustou-se com o preço… Mas os aplausos! A publicidade! Disse mesmo para parecer largo:
– Sim, quinze ou dezasseis libras… (…)

“O menu do jantar, elegantemente impresso em cartão acetinado, continha o que a culinária francesa tem inventado de plus raffiné; dir-se-ia uma dessas festas do segundo império em que o Café Inglês recebia, nos seus doirados salões, imperadores e reis que vinham curvar-se ante o poder de Napoleão o pequeno, segundo a imortal expressão do vidente d’Hauteville-House. Eis o menu:

HUÎTRES
HORS-D’OUVRE
POTAGES:
Julliene, Tapioca Grécy

POISSON:
Turbot, sauce hollandaise

ENTRÉES:
Escaloppe de veau à la Macédoine
Suprême de volaille à la Melchior
Jambons d’York aux épinards
Filets mignons à la Saavedra

GIBIER:
Perdreaux rotis à la crapaudine

ENTREMETS:
Charlotte Russe
Dartois doré

GLACES, DESSERT
VINS:
Bucelas, Colares, St. Julien, Champagne, Porto

CAFÈ-LIQUEURS

(…) Artur desceu a Rua de S. Roque, até ao hotel, como uma pedra que rola, praguejando alto de indignação; galgou as escadas, soprando; no quarto, atirou o chapéu contra a parede: sentia por Melchior um ódio homicida; pensava tumultuosamente em vinganças vagas, batendo o soalho com passadas nervosas. Reparou então numa carta, que for a metida por debaixo da porta. Um explicação do Melchior, talvez?
Propostas de retficação?…
Era a conta do jantar. Verificou a soma, trémulo: vinte e duas libras!
Deixou-se cair numa cadeira com o papel aberto nas mãos, lágrimas de raiva nas pálpebras, murmurando:
– Canalhas!
(…)

In, “A Capital”, Eça de Queirós

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O Grupo do Leão, Columbano Bordalo Pinheiro, 1885